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GTA: cenas de sexo só incomodam os advogados

25 de junho de 2008 15h22 atualizado às 18h02

O advogado Theodore H. Frank, que está ao lado da organização American Enterprise Institute, em seu escritório. Foto: Daniel Rosenbaum/The New York Times

O advogado Theodore H. Frank, que está ao lado da organização American Enterprise Institute, em seu escritório
Foto: Daniel Rosenbaum/The New York Times

Os advogados que processaram a produtora do videogame "Grand Theft Auto: San Andreas" se alegam chocados, completamente chocados, com o fato de que muito poucos dos compradores do jogo se tenham ofendido com as cenas de sexo escondidas como parte do software.

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Qualquer comprador incomodado com as cenas ocultas de sexo no violento videogame poderia solicitar indenização como parte do acordo extrajudicial que os advogados fecharam com a produtora do jogo, Rockstar Games, e a empresa que a controla, a Take-Two Interactive. No entanto, dos milhões de pessoas que compraram a versão "San Andreas" desde seu lançamento em 2004, apenas 2.676 apresentaram queixa.

"Se estou decepcionado? Claro", disse Seth Lesser, o advogado que comanda a equipe que representa os queixosos. "Não podemos adivinhar os motivos para que as pessoas se incomodem ou não se incomodem em apresentar queixa agora, tantos anos passados. Mas os méritos do caso eram evidentes".

Muito maiores que os pagamentos aos queixosos serão as custas submetidas pelos advogados envolvidos no processo coletivo. Lesser e seus colegas em 10 outros escritórios de advocacia solicitaram honorários de mais de US$ 1,3 milhão, comparados aos menos de US$ 30 mil que os advogados da Take-Two dizem que a empresa desembolsará para pagar as indenizações em valores de entre US$ 5 e US$ 35 por usuário queixoso (a indenização também pode incluir, em certos casos, uma cópia do jogo sem as cenas de sexo).

"As coisas tipicamente não transcorrem assim", disse Mary Davis, professora de Direito na Universidade do Kentucky que estuda esse tipo de processo. É bastante incomum que as custas superem o pagamento do acordo, ela continuou. "Isso mais ou menos inverte a lógica de um caso como esse".

A empresa e os advogados dos queixosos apontam também que a Take-Two fará uma doação de US$ 860 mil para caridade.

Mas as custas do caso atraíram objeções de um homem que é tanto advogado quanto jogador de videogames. Theodore Frank, especialista em processos coletivos e responsabilidade judicial e diretor do Centro Legal pelo Interesse Público, parte da organização de pesquisa American Enterprise Institute, decidiu tentar torpedear o acordo.

"Existem duas possibilidades", afirma Frank sobre o acordo extrajudicial. "A primeira é a de que eles tivessem um caso meritório e mesmo assim hajam decidido se vender em nome de garantir os honorários dos advogados envolvidos. A segunda, que francamente eu vejo como a mais provável, é a de que eles tenham aberto um processo sem mérito algum, e na verdade não devessem ter recorrido aos tribunais".

O caso ainda pode ir a julgamento caso o acordo não seja aprovado por um juiz federal. Uma audiência sobre o assunto será conduzida pela juíza Shirley Wohl Kram, no tribunal federal de Manhattan, a partir de hoje. Mas os juízes não costumam revogar levianamente os acordos extrajudiciais fechados entre as partes de um processo - já que, afinal, o objetivo dos acordos extrajudiciais é exatamente evitar litígios dispendiosos, segundo Davis. Ao revisar esse tipo de acordo, cabe aos juízes garantir que os termos sejam razoáveis, ela explicou, mas não lhes cabe impor sua visão de preferência à adotada pelas partes em disputa.

Em documentos apresentados ao tribunal na sexta-feira, Lesser e os demais advogados que abriram o processo argumentam que Frank não tem o direito de contestar o acordo. Eles alegam que, porque Frank alegou não se sentir ofendido pelas cenas de sexo contidas no videogame, a causa do processo não é de seu interesse.

Os advogados dos queixosos disseram que a Take-Two doaria dinheiro ao conselho de censura etária da indústria de videogames, nos termos do acordo, e afirmam que não havia maneira de saber com antecedência que tão poucos queixosos se interessariam por receber a indenização negociada nos termos do acordo.

Além disso, argumentam, se o processo não tinha mérito algum, isso não indicaria que o acordo é muito mais impressionante?

O processo civil foi apresentado depois da revelação de que o jogo continha cenas de sexo que só poderiam ser exibidas para jogadores familiarizados com o software, e por meio do uso de programas desenvolvidos por terceiros. O caso provocou denúncias no Congresso e grande burburinho na Internet. A ação acusava a produtora e a distribuidora de fraude contra os compradores por não terem revelado a presença das cenas de sexo.

O Conselho de Classificação de Software de Entretenimento elevou a censura do jogo a "adultos", em 2005, o que significa que ele só deveria ser usado por pessoas com mais de 18 anos. Essa classificação fez com que algumas grandes cadeias de varejo norte-americanas removessem o jogo de suas lojas. Inicialmente ele era classificado como apropriado para audiências "maduras", ou seja, com mais de 17 anos de idade.

A Take-Two Interactive também aceitou acordo para encerrar um inquérito da Comissão Federal de comércio, e lançou uma versão do jogo sem as cenas de sexo, que teve restituída a classificação original de censura. Em documentos judiciais, um executivo da empresa declarou que as cenas de sexo não haviam sido finalizadas, e que a produtora havia decidido exclui-las do jogo antes do lançamento. Elas não podiam ser assistidas no curso do jogo em si, e só eram acessíveis por meio de software ou hardware fornecido por terceiros.

"O jogo foi vendido como algo que não era", disse Lesser, o advogado dos queixosos, acrescentando que as pessoas não desejavam ser surpreendidas por conteúdo sexual em videogames, mesmo que fosse difícil assisti-lo. Não é surpresa que ele desconsidere as críticas de Frank, alegando que o processo tinha motivo e mérito.

"Os méritos do caso eram evidentes", disse Lesser. "De outra forma, teria sido decidido muito tempo atrás".

Jeffrey Jacobson, do escritório de advocacia Debevoise & Plimpton, representante da Rockstar e da Take-Two Interactive, foi cuidadoso ao comentar o caso. Afinal, o acordo permitiu que seu cliente pusesse fim a um processo que poderia lhe custar milhões de dólares.

"Os acusados sempre alegaram que faltava mérito a esse processo", afirmou Jacobson. "Nós certamente preferiríamos que ele nunca tivesse ocorrido, e certamente desejaríamos que fosse julgado por seus méritos, propiciando-nos uma vitória", ele afirmou. Mas resolver o caso por acordo se provou muito menos dispendioso.

Caso o processo seja levado a julgamento, podem surgir algumas questões interessantes quanto a os compradores terem ou não sido enganados, e exatamente de que maneira. Embora adultos que adquiriram o videogame para menores de idade tenham alegado que as cenas de sexo que desconheciam (e não viram) os incomodaram, entrevistas conduzidas pelos advogados demonstraram que os adultos compradores tampouco conheciam as demais características do jogo.

Por exemplo, Brenda Stanhouse, que comprou o jogo para seu filho, então com 15 anos, afirmou em depoimento que não sabia que um dos personagens do videogame "podia matar pedestres inocentes a chute".

"Eu sabia que havia mortes no jogo, mas não roubos", disse Stanhouse. No depoimento, perguntaram a Stanhouse se ela teria comprado o jogo para seu filho se soubesse que o personagem que ele controlaria podia matar policiais.

"Bem, creio que ele tenha jogos violentos", disse Stanhouse, acrescentando que "possivelmente" compraria um jogo assim - mas não um jogo com cenas de sexo como o "San Andreas".

Esse diálogo suscita uma questão mais profunda e talvez mais perturbadora sobre os danos causados pelas cenas escondidas. Os queixosos no processo estavam claramente mais preocupados com expor seus filhos a imagens de sexo do que com a violência, mas os estudos acadêmicos indicam que as imagens de violência - abundantes em muitos dos videogames - deveriam ser causa de maior preocupação.

"Por algum motivo, o sexo é considerado mais prejudicial que a violência, para as crianças e adolescentes", disse Craig Anderson, professor emérito de psicologia na Universidade Estadual do Iowa, onde desde os anos 80 ele vêm estudando os efeitos que os videogames exercem sobre crianças, adolescentes e universitários que os utilizam.

"A ironia é que, em termos do material de pesquisa disponível sobre os efeitos prejudiciais das diversas formas de mídia, televisão, cinema e videogames, os resultados dos estudos são muito, muito claros", afirma Anderson. "A exposição a conteúdo violento tem efeitos significativos tanto em curto quanto em longo prazo".

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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