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Jogador chinês ganha salário real em saque virtual

18 de junho de 2007 15h03 atualizado às 16h45

Uma hora antes da meia-noite, e três horas depois do início do turno noturno, com nove horas de trabalho restantes até o final de seu expediente, Li Qiwen, sem camisa, fumava sem parar em um pequeno escritório na cidade de Nanjang, China, enquanto contemplava o jogo online em curso na tela de seu computador.

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A tela exibia um terreno montanhoso, arborizado, pelo qual monges guerreiros caminhavam. O personagem de Li, um feiticeiro, estava matando monges inimigos desde as 20h, clicando com o mouse em todos os cadáveres e obtendo, de cada um, algumas moedas virtuais - e talvez uma ou duas armas mágicas.

Doze horas por noite, sete dias por semana, com apenas duas ou três noites de folga por mês, é isso que Li faz profissionalmente. Naquela noite de verão, em 2006, o jogo, como sempre, era World of Warcraft, um título de fantasia online no qual os jogadores, representados por avatares que eles mesmos desenvolvem - elfos mágicos, orcs guerreiros e outros personagens à moda de Tolkien - combatem pelo reino mágico de Azeroth, acumulando pontos a cada monstro abatido e ascendendo, ao longo dos meses, do mais baixo (1) ao mais elevado nível de mortalidade do jogo (70).

Mais de oito milhões de pessoas em todo o mundo jogam World of Warcraft e, sempre que Li está logado, há milhares de outros jogadores igualmente conectados. Eles compartilham com ele do vasto mundo virtual em que o jogo é travado, e ocasionalmente se reúnem em cidades para trocar os objetos que saqueiam, ou vão à região de bosques em que Li opera, procurando inimigos a matar e moedas a saquear.

Todos os jogadores de World of Warcraft precisam de moedas para pagar pelo equipamento virtual de combate aos monstros, a fim de obter os pontos necessários a subir de nível. E existem só duas maneiras de obter dinheiro virtual, para um jogador. Eles podem passar horas coletando moedas no jogo ou pagar dinheiro de verdade para que alguém o faça.

Li ganha 10 yuan por lote de 100 moedas que obtenha. O salário equivale a 30 centavos de dólar por hora. Seu chefe, de sua parte, recebe US$ 3 ou mais ao vender lotes de 100 moedas a comerciantes online, que as revendem aos consumidores finais (jogadores europeus ou norte-americanos ) por até US$ 20.

O pequeno espaço comercial em que Li e seus colegas trabalham, e um rudimentar alojamento de trabalhadores, representam toda a infra-estrutura física dessa modesta empresa que fatura US$ 80 mil ao ano. Estima-se que existam milhares de companhias como ela em toda a China, empregando um total estimado em 100 mil trabalhadores, os quais produzem a maioria dos bens negociados em um segmento econômico de alcance mundial que movimenta US$ 1,8 bilhões ao ano. O nome polido dessas operações é "youxi gongzuoshi", ou "oficinas de jogos", mas para os adeptos dos jogos virtuais em todo o mundo, elas são mais conhecidas como "fazendas de ouro".

O mercado dos jogos online maciços para múltiplos jogadores, conhecidos como MMOs, vem crescendo rapidamente, com não menos de 80 títulos dirigidos a uma população de jogadores de cerca de 30 milhões de pessoas em todo o mundo. O World of Warcraft, produzido em Irvine, Califórnia, pela Blizzard Entertainment, é um dos mais lucrativos jogos de computadores da História, com faturamento anual de quase US$ 1 bilhão em assinaturas mensais e outras receitas.

O fenômeno de venda de bens virtuais por dinheiro real é conhecido como transações com dinheiro real, ou RMT, termo que abarca a venda de armas virtuais, ouro e outros itens. Há anos, a vasta maioria dos bens virtuais chega ao varejo não por meio dos jogadores que os coletam, mas sim através de sites especializados com alto volume de vendas, como as superlojas IGE, BroGame e Massive Online Gaming Sales, empresas com faturamento de milhões de dólares ao ano que oferecem toda espécie de produto virtual em transações instantâneas. Elas são as Wal-Marts desse mercado, e a mesma lógica econômica que leva as grandes cadeias de varejo real à China para comprar brinquedos e produtos têxteis baratos conduz suas contrapartidas virtuais às fazendas de ouro chinesas.

De fato, pelo menos à primeira vista, pouco as distingue da produção de têxteis ou de quaisquer das outras indústrias que proliferam na China a fim de atender aos desejos do consumidor ocidental. Os salários, as margens de lucro, a habitação dos trabalhadores, as longas jornadas de trabalho, a falta de folgas - tudo é prática padrão.

Aos olhos de muitos jogadores, o mercado RTM representa uma forma de trapacear. E alguns jogadores, bem como alguns criadores de jogos, argumentam que essa prática prejudica os jogos porque a produtividade exacerbada das fazendas de ouro e de outras operações com fins lucrativos torna mais difícil o avanço dos jogadores iniciantes.

Para os fazendeiros, o custo da expulsão pode ser imenso. Dadas as quantias em jogo, algumas empresas chinesas descobriram que a melhor maneira de enfrentar a perseguição é dificultar a distinção entre os profissionais e os amadores.

Em teoria, o ressentimento dos jogadores comuns poderia se voltar contra qualquer dos elos na cadeia do mercado, e, de fato, no mês passado jogadores norte-americanos de World of Warcraft abriram um processo coletivo contra a IGE, loja de bens virtuais - o primeiro desse tipo a chegar à Justiça. Mas, em termos cotidianos, são os jogadores que "aram a terra" nas fazendas que enfrentam a hostilidade.

Como a maioria dos operadores de MMOs, a Blizzard optou por se alinhar com os clientes que abominam o RMT. Um ano atrás, ela anunciou ter identificado e banido mais de 50 mil contas de fazendeiros de ouro, no World of Warcraft. Foi o disparo inicial em uma campanha de erradicação que continua, e efetivamente removeu milhões de moedas do mercado.

Tradução: Paulo Eduardo Migliacci ME

The New York Times Magazine
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